Inspiração em forma de notas e acordes

Exortação à Loucura- Parte V

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

“ A loucura é uma construção do sentido que se dá ao mundo. É a própria formação do sujeito mediante aquilo que ele quer afirmar. A loucura não se dá no desconhecimento de si mesmo, pelo contrário, é a perfeita sintonia no desenvolvimento dialético do ser humano. O oposto e o oposto do oposto.  A loucura é uma etapa importante da vida, é a sua chave para a liberdade.”
– O que te faz pensar que é mais normal do que eu? – Essa era uma das perguntas que mais me fizera refletir. Não sabia mesmo o que responder. René era um rapaz inteligentíssimo e sagaz em suas ideias e as expunha com uma clareza e facilidade argumentativa incrível. Ao ver que eu ameaçava parecer intrigado com seus pensamentos malucos, ele logo se adiantava em dizer: “Não banque o normal. A normalidade e a loucura se entrelaçam. Essa é a condição humana”. Sempre tive curiosidade de saber o que se passava naquela mente tão viva e tão perspicaz. Tão louca!  Ao ver o meu olhar compenetrado, senti que passou a esboçar um sorriso como se dissesse : “ Você ainda não me conhece”. De fato! Não o conhecia, mas queria. Nossos olhares se encontraram num ponto fixo que parecia nos levar a um infinito vazio, quando então eu o interrompi dessa vez: - “René, fale-me como surgiu sua loucura ,quando sentiu indícios de mudança de pensamento. Sei que é um rapaz esperto e lembrará alguma coisa determinante.” – Como se não precisasse de segundo algum pra cogitar alguma resposta condizente, disparou: “ Deus. Quando eu vi a Deus”.

Exortação à Loucura- Parte IV

domingo, 29 de janeiro de 2012

René havia me contado, certa vez, que seus pais iam todos os domingos à igreja mas não criam veementemente em Deus. E mesmo o fato de eles serem assíduos frequentadores do domingo, se deu pelo choque da perda do irmão caçula do seu pai, vítima de um acidente de carro. Ele se sensibilizara com a situação, e resolveu entender o porquê de tanta gente crer nesse deus. Eram momentos bons que o jovem passava na igreja. Seus pais irrequietos, ansiosos pelo momento de volta a casa, não paravam de se mexer nas cadeiras ou de acenar para pessoas importantes que se dividiam naquele imenso salão. Ele não! Ouvia atento a tudo aquilo que lhe era dito. Gostava do fato de existir um outro pai que ouvisse todos os seus problemas, afinal, ele não tinha a atenção necessária do seu pai "terreno" quando se referia a esse tipo de questão. René, à medida que foi crescendo mais foi se envolvendo com atividades ligadas a essa igreja. Era incrível como ele se envolvia fácil com assuntos teológicos ou de cunho cristão. Seus pais nunca o proibiram, afinal, tinham que manter a boa imagem de “frequentadores dos domingos”, mas tampouco se regozijavam. Preferiam, em verdade, ver o filho deles levando uma vida de jovem normal, como todos os outros. Mas ele não era como todos os outros. René tinha algo especial. Seu jeito de tratar assuntos da alma tocava a todos. Segundo alguns amigos mais próximos, a loucura de René era malvista por muitos, mas admirada por tantos outros também. O pastor desta igreja, comumente convidava-o para almoços em sua casa e reuniões extraordinárias. Quando interrogado da motivação, alegava que o rapaz trazia uma paz estranha em seu olhar. Estranha e mágica! Eu bem sei o que é isso. Eu costumava ficar horas fitando o olhar de René, enquanto ele se dispunha a falar sobre coisas do cotidiano. Era verdadeiramente um olhar diferente, um golpe lúcido e sereno de bondade. Uma bondade até amedrontadora, assim diria.