Inspiração em forma de notas e acordes

Exortação à Loucura- Parte VII

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012


Amigos leitores, me lembro muito bem do dia em que René saía me puxando como se deslizasse em alta velocidade rumo ao seu destino. Passamos ruas por ruas, quarteirões e quarteirões, até chegar num beco de uma rua antiga, porém bem cuidada, onde moravam alguns velhos boêmios daquela cidade. Marina azul tinha vários desses homens ricos que viviam a vida aproveitando dos sabores que ela produz ou disponibiliza. Ali, por dentre os bares e restaurantes,  surgia como uma fenda, um beco que guardava um segredo fora do comum. Caminhamos até a frente de uma porta roxa,  com o número 77 em uma placa, no alto, formando relevo na porta. Ao entrar, senti que o ar que eu respirava lá fora era algo valioso e quase me pus a sair às pressas, mas percebi que pouco a pouco o ar me ia voltando as pulmões e tudo ia se clareando devido ao clique do René no interruptor. E fez-se luz! Era um estúdio razoavelmente grande. Parecia uma minibiblioteca, escritório e ao mesmo tempo um estúdio musical. Era isso mesmo. Havia acabado de perceber o violão ainda fora da capa que me encarava sobre o sofá. Fiquei preso em meus pensamentos, analisando cada parte daquele ambiente. Era uma atmosfera fora do comum. Algo ali me trazia paz. Mas ainda não sabia o que era. Vi então alguns folhetos da igreja que o René fazia parte em cima de uma mesa, onde ficavam outros papeis que não consegui decifrar a procedência. Antes que abrisse minha boca para questionar aquele momento, René antecipou-me: “Está estranhando isso tudo? Isso corresponde a toda minha vida. Tudo o que já li, já escrevi, já vivenciei está aqui. Esse é o quarto onde o pastor da minha igreja guarda seus livros e onde costumava vir estudar e se concentrar para preparar a palavra que falaria na igreja no culto dominical. Ele sempre me convidava para que eu participasse desse momento. No início meus pais dificultavam minha vinda, pois não achavam uma atitude normal por parte do pastor. Com o tempo passei a considerar esse quarto minha casa de verdade. Aqui eu aprendi a tocar violão, aqui eu escrevi muito dos meus textos, aqui desenvolvi muitos dos meus pensamentos. Aqui eu passei a vida lendo e lendo coisas maravilhosas.Enfim, aqui eu descobri o valor da verdade.”  - Seus olhos brilharam ao contar essa história. Percebi que ainda não tinha me contado o principal, então perguntei: “ René, mas você me trouxe para mostrar algo em específico?”-  E então ele virou a cabeça como que se tivesse esboçando um golpe de dança, logo após seguido do seu corpo, seu dedo apontou para um livro. Era um livro de capa preta com letras grandes em verde metálico. Percebi logo que era a bíblia. Sabia que René gostava das coisas teológicas e espirituais mas me trazer naquele local para me mostrar uma bíblia era realmente uma insanidade sem tamanho! Achava que ele confundia tudo isso numa mirabolante filosofia espiritual e isso era divertido em seus pensamentos de louco. Mas não! Aquilo era realmente sua vida.  As idas de René àquele local não datavam de dias, mas sim de anos. Foram anos de dedicação àquele lugar.  Dentro daquela bíblia que eu folheava, encontravam-se vários papéis rabiscados, passagens bíblicas em comparação, estudos bíblicos, anotações...Mas o que mais me intrigou foi um papel verde que caiu no chão virado com a face escrita para cima, e, em letras garrafais em cor de vermelho, tornou-se possível decifrar o que estava escrito: “Assinado, Deus”.