Amigos leitores, me lembro muito bem do dia em que René saía
me puxando como se deslizasse em alta velocidade rumo ao seu destino. Passamos
ruas por ruas, quarteirões e quarteirões, até chegar num beco de uma rua
antiga, porém bem cuidada, onde moravam alguns velhos boêmios daquela cidade.
Marina azul tinha vários desses homens ricos que viviam a vida aproveitando dos
sabores que ela produz ou disponibiliza. Ali, por dentre os bares e restaurantes, surgia como uma fenda, um beco que guardava
um segredo fora do comum. Caminhamos até a frente de uma porta roxa, com o número 77 em uma placa, no alto, formando
relevo na porta. Ao entrar, senti que o ar que eu respirava lá fora era algo
valioso e quase me pus a sair às pressas, mas percebi que pouco a pouco o ar me
ia voltando as pulmões e tudo ia se clareando devido ao clique do René no
interruptor. E fez-se luz! Era um estúdio razoavelmente grande. Parecia uma minibiblioteca,
escritório e ao mesmo tempo um estúdio musical. Era isso mesmo. Havia acabado
de perceber o violão ainda fora da capa que me encarava sobre o sofá. Fiquei
preso em meus pensamentos, analisando cada parte daquele ambiente. Era uma
atmosfera fora do comum. Algo ali me trazia paz. Mas ainda não sabia o que era. Vi então alguns folhetos da igreja que o René fazia parte em cima de
uma mesa, onde ficavam outros papeis que não consegui decifrar a procedência.
Antes que abrisse minha boca para questionar aquele momento, René antecipou-me:
“Está estranhando isso tudo? Isso
corresponde a toda minha vida. Tudo o que já li, já escrevi, já vivenciei está
aqui. Esse é o quarto onde o pastor da minha igreja guarda seus livros e onde
costumava vir estudar e se concentrar para preparar a palavra que falaria na
igreja no culto dominical. Ele sempre me convidava para que eu participasse
desse momento. No início meus pais dificultavam minha vinda, pois não achavam
uma atitude normal por parte do pastor. Com o tempo passei a considerar esse
quarto minha casa de verdade. Aqui eu aprendi a tocar violão, aqui eu escrevi
muito dos meus textos, aqui desenvolvi muitos dos meus pensamentos. Aqui eu passei a vida lendo
e lendo coisas maravilhosas.Enfim, aqui eu descobri o valor da verdade.” - Seus olhos brilharam ao contar essa
história. Percebi que ainda não tinha me contado o principal, então perguntei: “
René, mas você me trouxe para mostrar algo em específico?”- E então ele virou a cabeça como que se
tivesse esboçando um golpe de dança, logo após seguido do seu corpo, seu dedo
apontou para um livro. Era um livro de capa preta com letras grandes em verde
metálico. Percebi logo que era a bíblia. Sabia que René gostava das coisas
teológicas e espirituais mas me trazer naquele local para me mostrar uma bíblia era realmente uma insanidade sem tamanho! Achava que ele confundia tudo isso numa mirabolante
filosofia espiritual e isso era divertido em seus pensamentos de louco. Mas não! Aquilo
era realmente sua vida. As idas de René
àquele local não datavam de dias, mas sim de anos. Foram anos de dedicação
àquele lugar. Dentro daquela bíblia que
eu folheava, encontravam-se vários papéis rabiscados, passagens bíblicas em
comparação, estudos bíblicos, anotações...Mas o que mais me intrigou foi um papel verde que
caiu no chão virado com a face escrita para cima, e, em letras garrafais em cor
de vermelho, tornou-se possível decifrar o que estava escrito: “Assinado, Deus”.
Exortação à Loucura- Parte VII
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
Postado por
Rodrigo Seixas
às
01:37
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